Brasileira sobrevivente de violência doméstica na Austrália vivia "num terror"

Domestic violence

Domestic violence victim Source: Corbis Historical

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Other ways to listen

A brasileira Helena* conseguiu uma medida preventiva contra o ex-marido australiano com quem conviveu por 12 anos no Brasil e na Austrália. Aqui, de maneira corajosa, honesta e surpreendente, ela fala sobre sua jornada pelo mundo da violência dentro de casa: dos primeiros sinais de que algo não estava bem, ao isolamento dos amigos e família até o momento que resolveu abandonar tudo com o filho no colo.


*A pedido da entrevistada seu nome verdadeiro foi omitido nesta reportagem para sua proteção. 

“A primeira vez que você tenta se separar e a pessoa não deixa você ir, esse é o primeiro sinal de um relacionamento abusivo, a pessoa tem que aceitar que você quer sair. Se ele trancou a porta e não deixar você sair, mesmo que ele esteja ajoelhando aos seus pés aquilo é abuso, aquilo não é amor,” diz Helena.

Num depoimento detalhado e com o objetivo de ajudar outras mulheres que estejam passando pelo mesmo ou conheçam alguém vítima de abuso, Helena fala de como seu relacionamento, que teve momentos bons -“ninguém fica num relacionamento abusivo porque gosta, tinham coisas boas mas que no final não valeram à pena” - se transformou em algo destrutivo e violento.

Helena conheceu seu então namorado australiano no Brasil, o casamento foi apressado para auxiliar no processo do visto brasileiro dele. O comportamento abusivo foi se apresentando aos poucos e com ele o esforço e desgaste diários de esconder o que estava passando dos amigos e da família.

“Essa responsabilidade de proteger os outros, a gente carrega uma carga muito grande na sociedade... quer defender todo mundo. Ele usou isso contra mim. Eu não falava nada porque queria defender meus amigos e minha familia de sofrerem por saber de tudo o que eu estava passando. Surreal né? Quem estava sofrendo era eu.”

Após a chegada do filho, Helena e o marido resolveram se mudar para a Austrália. “As coisas mudaram quando meu filho nasceu. Senão fosse a chegada do meu filho, e a minha prioridade ter se tornado o meu filho, talvez eu tivesse ficado nesse relacionamento.”

Uma vez na Austrália, o controle emocional e financeiro aumentou, assim como o comportamento violento. “Teve muita violência sim, que vinha como uma forma de controle mais do que como uma forma de me causar dor.”

Helena descreve um dia em que ele a abusou verbalmente por três horas seguidas dentro de casa, bloqueando sua passagem, sem deixá-la dar atenção ao filho. Outro dia, durante mais um rompante violento do parceiro, ela deu entrada no hospital com a mandíbula deslocada.

Foi no hospital na Austrália, em meio a pessoas estranhas, que ela começou a se abrir e falar do comportamento do marido, inclusive para a família dele.

Foi ali no hospital que ela soube de um centro de apoio às vítimas e aos poucos “ainda escondendo muita informação sobre tudo o que estava passando,” começou a desenvolver um plano de fuga, para sair do relacionamento, ao mesmo tempo em que melhorava o inglês.

“Quando fui no centro de apoio recebi sugestões do que eu devia fazer: deixar documentos prontos, algumas roupas prontas, começar a guardar algum dinheiro – buscar minha independência financeira.”

Trabalhando muito e apesar do marido manter o controle financeiro, ela conseguiu alugar uma casa perto da casa de onde vivia com o marido, e assim convencê-lo a se separarem mas morarem perto.

Como combinado, ela deixava o filho com o marido por algumas horas todos os dias. Mas o acordo não durou muito. “Até que teve o dia que ele não quis me devolver meu filho, só se eu deixasse ele entrar na minha casa,” recorda.

A chantagem do marido a fez ir à justiça (Family Court of Australia) e Helena conseguiu a separação, os documentos do médico e a ficha completa do hospital foram cruciais.

“Ele ter me mandado para o hospital acabou me salvando”

Na Family Court of Australia ela também conseguiu a ‘Family Violence Intervention Order’ dada a mulheres que sofreram violência doméstica e que correm o risco de sofrer novamente. O pai de seu filho só pode ver a criança sob supervisão de uma terceira pessoa.

“Estou bem na Austrália e vamos ficar por aqui,” disse Helena, que continua trabalhando, e auxiliando mulheres que estão passando pelo mesmo que ela passou. No final da entrevista destacou a importância de se falar abertamente sobre o assunto.

"Um dos melhores conselhos que recebi foi de um homem, ele me disse que o homem que abusa 'vive nas sombras', e que precisamos colocar 'muita luz nele', falar sobre o que ele está fazendo para outras pessoas"

Na Austrália, uma em cada quatro mulheres são vítimas de violência por parceiro íntimo, enquanto que uma em cada 11 mulheres são vítimas de violência por um estranho.

Violência doméstica pode acontecer com qualquer mulher. Mas a atitude das pessoas em relação a ela está mudando, com mais e mais mulheres denunciando o abuso.

A pesquisa nacional de Atitudes da Comunidade em Relação à Violência contra as Mulheres (NCAS) é a pesquisa mais antiga do mundo sobre as atitudes da comunidade em relação à violência contra as mulheres.

De acordo com a NCAS a maioria dos australianos (72%) sabe que a violência contra as mulheres é comum. Em 2017, 81% dos australianos reconheceram que as mulheres são mais propensas que os homens a sofrerem danos físicos por violência doméstica.

Abuso velado: australianos concordam que certos comportamentos são uma forma de violência contra a mulher (Fonte: Pesquisa NCAS 2009-2017)

NCAS Summary Report
Source: Source: NCAS Summary Report, p. 43.
Existem vários serviços disponíveis para pessoas que estejam sofrendo violência em casa. Se você, ou alguém que conhece, esteja passando por isso, entre em contato com:

Lifeline Australia – 13 11 14
1800 respect – 1800 737 732
Relationships Australia – 1300 364 277
Mensline – 1300 78 99 78
Kids Helpline – 1800 550 1800
Safe Steps – 1800 015 188

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