Estudante brasileiro que sofreu ataque homofóbico em Camberra: "ninguém pode sair chutando a cara das pessoas simplesmente por elas serem quem são"

Augusto Lott 1

O estudante brasileiro Augusto Lott teve o nariz quebrado e vários hematomas após sofrer um ataque homofóbico na saída de uma boate LGBTQIA+ em Camberra. Source: Supplied

Augusto Lott foi agredido na saída de uma boate voltada para o público LGBTQIA+ na capital da Austrália, por um rapaz que perguntou se ele era gay, após ele responder que sim. “A gente vem para um país desenvolvido procurando uma liberdade maior, e se vê mais enclausurado ainda, não podendo ser quem a gente é.”


Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+. A data foi estipulada a partir da Rebelião de Stonewall em 28 de junho de 1969 em Nova Iorque.

A ação foi marcada por uma série de manifestações na cidade que duraram dias e tiveram início no bar Stonewall Inn, ponto de encontro de pessoas marginalizadas na época, em sua maioria gays, em protesto contra a violência policial em cima dessa comunidade.

O levante é considerado o marco do movimento de liberação gay e o momento em que o ativismo pelos direitos LGBTQIA+ ganha o debate público e as ruas.

Ataque gratuito

Por ironia do destino, foi justamente em junho, mais de 50 anos depois da Revolta de Stonewall, neste ano de 2021, que o estudante internacional brasileiro Augusto Lott sofreu um ataque homofóbico violento na frente de uma boate voltada para o público LGBTQIA+ na cidade de Camberra, no Território da Capital Australiana/ACT.

Segundo Augusto, o homem que o atacou começou a bater nele depois de perguntar se ele era gay e ele responder que sim. Augusto relata que “estava sentado, conversando com três meninas, e ele começou a chutar meu rosto e a me insultar. Eu não tive reação porque fui pego de surpresa."
Eu estava sentado, conversando com três meninas, esse rapaz chegou, perguntou se eu era gay, eu respondi que sim. Ele começou a chutar o meu rosto e a me insultar.
Augusto conta que nunca tinha visto aquele rapaz antes, e que por estar em um ambiente com muitos gays, na saída de uma boate voltada para esse público, nunca imaginou que alguém pudesse atacá-lo justamente por ele ser gay.

Segundo Augusto, após chutar o rosto dele por um tempo, o homem saiu correndo e desapareceu. Ele diz que depois que começou a ser agredido, não se lembra bem do que aconteceu, mas que as pessoas ao redor dele não tiveram reação no sentido de tentar impedir que o rapaz batesse nele ou fugisse em seguida. As meninas com as quais estava conversando na hora do ataque, segundo Augusto, não eram suas amigas, mas pessoas que ele tinha conhecido naquela noite.

Socorro

Augusto relata que pouco tempo depois chegaram os integrantes da Polícia Federal Australiana, que atua em Camberra. Eles o socorreram e perguntaram se ele queria que chamassem a ambulância. Como ele estava sangrando bastante e com dor no rosto, respondeu que sim.
Augusto Lott
Após ter sofrido um ataque homofóbico na saída de uma boate LGBTQIA+ em Camberra, Augusto, que teve o nariz quebrado, foi levado de ambulância ao hospital. Source: Supplied
Ele ressalta que foi atendido diretamente por duas policiais mulheres, cuidado que ele considerou importante, de ter mulheres o atendendo ao invés de homens. O grupo de policiais pediu que ele relatasse o ocorrido e pegou o depoimento de algumas testemunhas.

Ao ser levado pela ambulância ao hospital, Augusto ficou lá por algumas horas, onde foi medicado, os ferimentos foram tratados, ele foi avaliado e ficou em observação. No dia seguinte ele teve febre e dor, e por isso retornou ao hospital. Foi pedido então que ele voltasse novamente na semana seguinte para que tratassem o nariz dele, que estava quebrado. Mas segundo Augusto, mesmo depois disso, seu nariz ainda está quebrado, e ele até hoje tem problemas de respiração.

Augusto conta que vai ter que passar por uma cirurgia para a recuperação completa do nariz, mas que a orientação médica é de que ele espere que se passem seis meses desde o acidente para fazer o procedimento.

Tratamento e investigação

Sobre os custos com o tratamento médico, Augusto diz que as contas do hospital e da ambulância chegaram para ele, mas que ele repassou para o seguro de saúde que tem, obrigatório para estudantes internacionais na Austrália, e que foi informado que os valores que o plano não cobrir devem ser custeados pela agência do governo do Território da Capital Australiana que presta assistência às vítimas de crimes, o . Ele também disse que esse mesmo órgão oferece acompanhamento psicológico, mas que leva um tempo para eles fazerem o agendamento do primeiro atendimento.  

Sobre o contato com a Polícia Federal, já que Augusto quer que seja feita uma investigação para encontrar o rapaz que o agrediu e buscar justiça, Augusto diz que os policiais que o atenderam no dia da agressão, pediram que ele fosse na semana seguinte à delegacia. Ele conta que esteve lá mas que pediram que ele retornasse outro dia porque eles estavam muito ocupados naquele momento.

Augusto diz ter enviado alguns e-mails para marcar uma reunião com os policiais responsáveis pelo caso dele, mas que não teve resposta. “Eu quero saber o que aconteceu, quem fez isso e quero que ele tenha alguma penalidade, porque ele não pode sair chutando a cara das pessoas simplesmente por elas serem quem elas são. Isso não faz sentido nenhum para mim e eu não quero que aconteça com outras pessoas."
Eu quero saber o que aconteceu, quem fez isso, e que ele tenha alguma penalidade. Ele não pode sair chutando a cara das pessoas simplesmente por elas serem quem são.
A SBS Portuguese enviou e-mails à Polícia Federal Australiana perguntando sobre o andamento do caso do Augusto, e como o órgão conduz os casos de ataques homofóbicos, mas não obteve resposta até a publicação desse artigo.

Casos recorrentes

Segundo Augusto, ele mesmo já presenciou outros episódios de agressão na frente dessa mesma boate e ouviu relatos de que isso aconteceu algumas vezes no local. Ele fala que a polícia informou para ele que não há câmeras no local que podem ter registrado o momento da agressão para tentar identificar o homem, mas que ele próprio entrou em contato com a casa noturna e eles disseram que possuem apenas uma câmera que fica voltada para o lado oposto àquele onde ocorreu o ataque.

Para Augusto, deveria haver mais segurança e mais câmeras no local, já que se trata de um estabelecimento que funciona até as 5h da manhã.

Perguntado se ele se lembra do rosto do agressor, se poderia por exemplo fazer um retrato falado dele para a polícia, Augusto diz que não. Que só se lembra que era um rapaz novo, de cerca de 20 e poucos anos, alto, magro e moreno. Ele não se lembra de ter visto esse homem dentro da boate.

Homofobia na Austrália

Augusto diz que nunca passou por nada parecido no Brasil. “Eu sempre ia nas baladas gays lá e nunca aconteceu nada. Eu vim para a Austrália achando que aqui as pessoas tinham a cabeça mais aberta, e eu vi que não é exatamente assim. Em Gold Coast, onde morei por dois anos, não há nenhuma casa noturna voltada para o público gay. Em Camberra, na única boate gay que há na cidade, eu já ouvi diversos comentários homofóbicos. Eu me sentia mais seguro no Brasil do que na Austrália.” E completa: “A gente vem para um país tão desenvolvido procurando uma liberdade maior, e a gente se vê mais enclausurado ainda, não podendo ser quem a gente é."
Eu sempre ia nas baladas gays lá (no Brasil) e nunca aconteceu nada. Eu vim para a Austrália achando que aqui as pessoas tinham a cabeça mais aberta, e eu vi que não é exatamente assim.
Depois da agressão que sofreu gratuitamente em Camberra, Augusto diz que chegou a pensar em se mudar de cidade e até mesmo em voltar para o Brasil. Mas concluiu: “não posso deixar meu sonho morrer por causa de pessoas com a cabeça tão errada assim.” Augusto não descarta a mudança de cidade dentro da Austrália e diz que já voltou à boate onde aconteceu o ataque, mas que sempre que vai lá fica com muito medo.

Publicação e acolhimento

Na época da agressão, Augusto fez uma publicação relatando o ocorrido em um grupo do Facebook voltado para brasileiros LGBTQIA+ na Austrália, e ficou impressionado com o acolhimento que recebeu das pessoas e a mobilização para ajudá-lo.

“Eu tive um apoio muito grande da comunidade (de brasileiros LGBTQIA+ na Austrália). Sou muito grato ao grupo e isso é importante para quem está passando por uma situação difícil, principalmente longe do seu país e da sua família”, declarou Augusto.
Eu tive um apoio muito grande da comunidade (de brasileiros LGBTQIA+ na Austrália). Isso é importante para quem está passando por uma situação difícil, principalmente longe do seu país e da sua família.
Ele também disse que considera esse tipo de atitude essencial. “A gente ver que tem pessoas que nos apoiam e dão a força que a gente precisa. Foi essencial ouvir o que eles estavam falando, ter o apoio e o carinho que recebi.”

Augusto diz que fez a publicação no Facebook porque queria alertar as pessoas de que esse tipo de violência contra a comunidade LGBTQIA+ ainda acontece e estimular a conscientização “para que as próximas gerações venham com mais amor e menos ódio.”

“Eu achava que (o ataque que sofri) era uma coisa muito fora da realidade. Mesmo a gente ouvindo falar todo dia, quando acontece com a gente, com alguém próximo, muda muito nossa percepção sobre a realidade. Depois que eu fiz o post, pessoas em ligaram chorando, por terem passado pelo mesmo, ou em choque com o que tinha acontecido."
Depois que eu fiz o post, pessoas me ligaram chorando, por terem passado pelo mesmo, ou em choque com o que tinha acontecido.
Liberdade

Augusto chama a atenção para o fato de que no geral, pessoas LGBTQIA+ passam anos escondendo quem realmente são por medo de julgamentos e intolerância. “Só quem cresceu tentando se esconder como eu cresci, sabe o sofrimento é. Tantas coisas que eu deixei de viver pelo fato de achar que tinha que me esconder. Por causa da família, por causa da igreja. É muito complicado esconder a vida inteira quem você é."
Tantas coisas que eu deixei de viver pelo fato de achar que tinha que me esconder. Por causa da família, por causa da igreja. É muito complicado esconder a vida inteira quem você é.
Ele diz que espera mais amor e menos preconceito na sociedade. “Para que os gays que estão nascendo agora possam ter uma vida normal. Que não precisem se esconder e nem ‘sair do armário’. Por que temos que declarar nossa orientação sexual? Que as próximas gerações venham com uma liberdade maior de ser quem elas são, independente do que elas sejam.”


Share